Berçário de aviões
Brasil tem cerca de 20 fábricas de pequenas
aeronaves, que investem em inovações e na colaboração com universidades para
crescer
YURI VASCONCELOS | ED. 234 | AGOSTO
2015
Túnel de vento para
testes na UFMG e desenhos de aeronaves feitos por alunos da universidade
Em maio
deste ano, pela primeira vez no Brasil, um avião elétrico tripulado voou, colocando
o país no seleto grupo de nações que dominam a tecnologia de fabricação de
aeronaves elétricas. O voo aconteceu em São José dos Campos, cidade paulista que
abriga o maior polo aeronáutico do país e é sede da Embraer, terceira maior
fabricante mundial de jatos comerciais de passageiros. O Sora-e pertence à
ACS-Aviation, uma das cerca de 20 empresas brasileiras que se dedicam à fabricação
de pequenos aviões classificados pela Agência Nacional de Aviação (Anac) como
experimentais ou aeronaves leves desportivas. Essas últimas, uma subcategoria
dos experimentais criada pela Anac em 2011, são conhecidas pela sigla LSA,
de light sport aircraft, e podem ser vendidas completas, enquanto
os experimentais de construção amadora são aeronaves leves, não homologadas,
que vão para o mercado em forma de kits e precisam ter 51% de
sua montagem feita pelo comprador, normalmente um piloto privado.
Metade dos
fabricantes desses aviões está localizada no interior de São Paulo, enquanto os
outros se espalham por Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco,
Santa Catarina, Paraná e Bahia. O Brasil tem o segundo maior mercado global de
aviões experimentais, só superado pelos Estados Unidos. Segundo dados da Anac,
existiam no país 4.958 aeronaves desse tipo em 2013. Principalmente destinados
a pilotos amadores que querem voar em equipamento próprio, esses aviões são
usados para lazer, recreação ou transporte pessoal, e não podem ser empregados
em qualquer atividade comercial. “O Brasil é um país com dimensões continentais
que comporta essa variação de aviões para atender às mais diversas necessidades”,
explica Humbert Peixoto Silveira, presidente da Associação Brasileira de Aviação
Experimental (Abraex). Os aviões experimentais custam a partir de R$ 50 mil,
enquanto os LSA – os esportivos – saem até por R$ 750 mil.
Sora-e, primeiro
avião elétrico fabricado no Brasil
Apesar do porte pequeno e da
capacidade limitada a dois ou quatro ocupantes, segundo Humbert, os
experimentais são veículos tecnologicamente avançados. “No mundo todo, a
aviação experimental funciona como um laboratório para as grandes fábricas de
aviões, como Airbus, Boeing e Embraer. Esses aparelhos nascem de projetos
inovadores em termos de estrutura e aerodinâmica, são construídos a partir de
técnicas aprimoradas de fabricação, utilizam novos materiais em sua estrutura e
são equipados com aviônicos [equipamentos elétricos e eletrônicos dos aviões]
digitais e motores potentes, que podem levar alguns modelos a voar a mais de
300 quilômetros por hora [km/h]”, diz.
O voo do Sora-e coroou dois anos de
trabalho do engenheiro aeronáutico formado pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Alexandre Zaramella, sócio-diretor da ACS-Aviation, empresa
localizada em São José dos Campos (ver Pesquisa FAPESP nº 228).
“Existem no mundo meia dúzia de companhias focadas no desenvolvimento de aviões
elétricos. E nós somos uma das poucas com um aparelho testado em voo”, diz ele.
O desenvolvimento do Sora-e – uma versão do principal modelo da ACS-Aviation, o
Sora com motor a combustão – teve a parceria do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento
e Montagem de Veículos Movidos a Eletricidade da Itaipu Binacional e recebeu
uma subvenção de R$ 500 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),
destinada à criação de um sistema elétrico para aeronaves. O avião tem dois motores
elétricos de 35 quilowatts (kW) cada um, alimentados por um conjunto de seis
baterias de lítio íon polímero de 400 volts, que podem manter a aeronave no ar
por até uma hora e 30 minutos.
Super Petrel LS:
pouso e decolagem na água e na terra
Materiais
compostos
Na aviação
hoje procura-se utilizar compósitos – ou materiais compostos, como metal e
polímero, carbono e vidro – na fabricação da estrutura das aeronaves, em
substituição ao alumínio aeronáutico, em razão do baixo peso e da elevada resistência
desses novos materiais. A empresa europeia Airbus, por exemplo, entregou em
janeiro deste ano para a Qatar Airways o primeiro jato da companhia com asas e
fuselagem feita de polímeros reforçados com fibra de carbono, o A350 XWB, com
capacidade para 366 passageiros.
Outro
fabricante brasileiro de aviões leves esportivos que recorreu a compósitos foi
a Scoda Aeronáutica. Localizada em Ipeúna, a 195 quilômetros de São Paulo, a
companhia fabrica o Super Petrel LS, um avião anfíbio (que pousa e decola tanto
da água como da terra) que é um sucesso no exterior. “Já produzimos 350 unidades
do Super Petrel LS e do Super Petrel 100, seu antecessor. Eles foram vendidos
para 23 países e temos clientes em outros quatro prestes a receber suas encomendas”,
conta Rodrigo Scoda, dono da empresa. O Super Petrel custa a partir de R$ 350
mil.
Engenheiro
aeronáutico graduado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de
São Paulo (EESC-USP), em São Carlos, Scoda ressalta que o sucesso de seu avião
se deve, em boa medida, ao fato de ser certificado nos Estados Unidos e em outros
países na categoria LSA. “Projetamos o Super Petrel LS com a norma do FAA [Federal
Aviation Administration] na mão. Essa foi a maneira que encontramos de fabricar
um produto global”, afirma. O FAA é o órgão dos Estados Unidos responsável pela
regulamentação da aviação civil. Suas normas servem de modelo para vários
países, inclusive o Brasil.
Produzido
com um compósito constituído de fibra de carbono e fibra de aramida (kevlar), o
Super Petrel LS foi inspirado no avião anfíbio francês Hydroplum, dos anos
1980. A Scoda é responsável por 81% de seu processo produtivo e apenas as
partes mecânicas são importadas. Um aspecto incomum do processo de desenvolvimento
e certificação do Super Petrel LS foi o fato de 90% ter sido feito por estagiários
do 4o e 5o anos do curso de engenharia
aeronáutica da EESC-USP. “Sempre que possível, trabalhamos em parceria com
universidades. Três de nossos oito engenheiros foram formados na EESC”, diz
Scoda. A equipe de colaboradores da empresa é constituída por 100
profissionais, entre técnicos, engenheiros, mecânicos, pilotos e administradores.
Monomotor Quasar:
60 aviões vendidos