Por que
sobrevivemos na Terra - e outros 'humanos' não.
Melissa
Hogenboom Da BBC Earth
Crânios de diferentes
espécies de hominídeos, que durante certo tempo conviveram lado a lado
Há 2 milhões de anos, várias espécies hominídeos se
espalhavam pela África. Algumas se pareciam muito entre si, enquanto outras
tinham características mais marcantes.
Em setembro passado, outra espécie foi acrescentada
a essa lista. Cientistas encontraram centenas de ossos em uma caverna na África
do Sul que acreditam pertencer a um novo ser humano, o Homo naledi. E
muitas outras espécies extintas ainda podem estar esperando para serem
descobertas.
Nós, Homo sapiens, aparecemos há cerca de
200 mil anos, quando várias outras espécies também estavam vivas. Mas fomos a
única a sobreviver até hoje. Como conseguimos?
Para começar, vale a pena destacar que a extinção é
uma parte normal da evolução. Por isso, não é surpreendente que alguns
hominídeos tenham desaparecido da Terra.
Virando carnívoros
Vestígios dos
'hobbits' (à esq.) foram encontrados apenas em uma pequena ilha da Indonésia.
Ainda não estar claro por que o mundo só tem lugar
para uma espécie, mas há algumas pistas que revelam por que alguns de nossos
antepassados foram mais bem-sucedidos do que outros em se adaptar a ele.
Há milhões de anos, quando uma grande variedade de
hominídeos vivia lado a lado, eles se alimentavam essencialmente de plantas.
"Não há indícios de que eles caçavam grandes animais sistematicamente",
afirma o arqueólogo John Shea, da Universidade Stone Brook, em Nova York.
No entanto, conforme as condições mudaram e os
hominídeos se deslocaram das florestas para as savanas - mais secas e com
vegetação menos densa -, foram se tornando cada vez mais carnívoros.
O problema é que suas presas também tinham menos
plantas para se alimentar, portanto havia menos comida disponível. Essa
competição acabou levando à extinção de algumas espécies.
Há 30 mil anos, além do Homo sapiens, havia
outras três espécies de hominídeos: o homem de Neandertal na Europa e no oeste
da Ásia, o hominídeo de Denisova na Ásia e o Homo floresiensis, também
chamado de hobbit, na Ilha das Flores, na Indonésia.
Os hobbits podem ter sobrevivido até pelo
menos 18 mil anos atrás, quando teriam sido extintos por causa de uma grande
erupção vulcânica, segundo evidências geológicas recolhidas na região.
Cientistas sabem muito pouco sobre o hominídeo de
Denisova, pois tudo o que se encontrou até hoje de um exemplar da espécie foi
um pequeno osso de um dedo e dois dentes.
Já o homem de Neandertal foi mais estudado, tanto
por ter sido descoberto há mais tempo como porque há uma grande quantidade de
fósseis da espécie.
Mudança climática
As evidências arqueológicas sugerem que o homem de
Neandertal perdeu terreno para os humanos modernos, segundo Jean-Jacques
Hublin, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha.
Os neandertais foram deslocados de seu habitat
pouco depois de terem seus territórios invadidos pelo Homo sapiens, o
que para Hublin não é mera coincidência.
O homem de Neandertal já vivia na Europa 200 mil
anos antes da chegada do Homo sapiens ao continente. Eles estavam
perfeitamente adaptados ao clima frio: usavam roupas, eram ótimos caçadores e
usavam sofisticadas ferramentas de pedra.
Estudiosos acreditam que a espécie começou a sofrer
para sobreviver quando a Europa passou a experimentar uma rápida mudança
climática. A temperatura mudou o habitat, tornando-o menos denso, e o homem de
Neandertal não conseguiu adaptar seus hábitos para sobreviver.
O Homo sapiens, já adaptado ao clima das
savanas africanas, caçava uma ampla gama de espécies, de grandes aves a lebres
e coelhos.
Já os neandertais usavam armas e ferramentas mais
apropriadas para animais maiores, e possivelmente não conseguiam apanhar presas
menores.
"Os humanos modernos tinham mais recursos
quando eram pressionados", afirma John Stewart, paleontólogo da
Universidade de Bournemouth, na Grã-Bretanha. Essa capacidade de inovar e se
adaptar pode explicar por que tomamos o lugar do homem de Neandertal tão
rapidamente.
A importância da arte
Os registros arqueológicos mostram que quando o Homo
sapiens chegou à Europa, ele já tinha uma variedade bem maior de utensílios
inovadores e mortais.
Mas isso não foi a única coisa que a espécie fazia.
Ela criou algo que permitiu superar as outras espécies na Terra: a arte
simbólica.
Pouco depois de deixarem a África, os humanos
modernos já dominavam a arte e o artesanato. Arqueólogos encontraram
ornamentos, joias, pinturas figurativas de animais míticos e até instrumentos
musicais que datam dessa época.
"Ao chegar à Europa, a população de Homo
sapiens aumentou rapidamente", explica o arqueólogo Nicholas Conard,
da Universidade de Tübingen, na Alemanha. "Com isso, começou a viver em unidades
sociais mais complexas e precisou melhorar a maneira como se comunicava."
Esculturas e outros objetos sugerem que o homem
moderno compartilhava informações através da arte. Os símbolos eram uma espécie
de "cimento social". "Eles ajudavam as pessoas a organizar seus
negócios sociais e econômicos entre si", afirma Conard.
Para Shea, o fato de o Homo sapiens dominar
a arte, usando as mesmas mãos com que fabricava armas e ferramentas, mostra sua
capacidade singular para uma variedade comportamental.
"Os humanos modernos sempre encontraram mais
de uma maneira de fazer algo. E as soluções que imaginavam para um problema
costumavam ser adaptadas para resolver outro", explica o arqueólogo. Já os
demais hominídeos não variavam o jeito de lidar com as situações.
Diferenças cerebrais
Uma das explicações para essa diferença poderia
estar no tamanho do cérebro. Mas, na realidade, neandertais também tinham
cérebros grandes em comparação a seus corpos.
Segundo Hublin, a resposta é mais complexa. Sabemos
que nosso comportamento ou as circunstâncias em que nos encontramos podem mudar
nossa constituição genética. Essas mudanças nos genes também ocorrem quando
grandes populações enfrentam desastres devastadoras, como a Peste Negra, no
século 14.
Para o arqueólogo, os humanos modernos se
beneficiaram de modificações genéticas essenciais. Hoje há evidências que
sugerem que nosso DNA mudou depois que nos separamos do ancestral comum que
temos com os neandertais.
Geneticistas identificaram dezenas de pontos no
nosso genoma que são únicos do Homo sapiens, e vários deles estão
envolvidos no desenvolvimento cerebral.
Outros especialistas acreditam que foi esse cérebro
hiper-sociável e cooperativo o que nos diferenciou das outras espécies. Da
linguagem e da cultura à guerra e ao amor, nossos comportamentos mais típicos
sempre têm um componente social.
"Por dezenas de milhares de anos, antes de
desenvolverem essas habilidades, os humanos modernos e os outros hominídeos
eram mais parecidos, e qualquer espécie poderia ter prevalecido", afirma
Conard. "Mas nós acabamos superando o resto e, ao ter uma população maior,
as demais se retraíram e acabaram desaparecendo."
Se isso for verdade, a chave da nossa sobrevivência
pode ter sido a criatividade.
Mas há ainda outra possibilidade, que não pode ser
ignorada: talvez tenhamos continuado na Terra por pura sorte.
Leia a versão original desta reportagem em
inglês no site BBC Earth.