Homossexualidade
é genética (e não há “cura”)
Tábata
Bergonci
24/08/2016
24/08/2016
Identificadas regiões nos cromossomos que parecem
ser responsáveis pela orientação sexual. [1]“Baby, eu nasci desse jeito!” canta
Lady Gaga, se referindo aos homossexuais, bissexuais e transexuais, em uma
famosa música de 2011. De fato, nas últimas duas décadas, cientistas vêm
aumentando as evidências de que a homossexualidade não é uma escolha, mas sim
determinada pela genética. Muitas pesquisas em sexualidade começam a demonstrar
isso. Por exemplo, sabemos que a homossexualidade é mais comum em parentes
biológicos de outros homossexuais do que de heterossexuais [2]. Estudos também
mostram que a chance de que gêmeos idênticos sejam ambos homossexuais é mais
alta do que para irmãos não gêmeos [3]. Recentemente, um estudo com 409 pares
de irmãos gêmeos homossexuais, o maior realizado até hoje, encontrou duas
regiões contendo genes que influenciam o desenvolvimento da orientação sexual
[4].
O DNA é composto por
nucleotídeos. Quando apenas um nucleotídeo é trocado na sequência de um gene,
chamamos isso de SNP (polimorfismo de
nucleotídeo único). Os pesquisadores analisaram os genomas dos 818 indivíduos
(gêmeos homossexuais) e também o genoma de mais 90 familiares não-homossexuais
desses gêmeos. A análise encontrou SNPs em diversos genes. Isso significa dizer
que homossexuais têm alguns genes cuja sequência tem uma única alteração, se
comparada aos mesmos genes em heterossexuais. Em geral, uma pequena mudança na
sequência gênica pode fazer com que o gene se expresse de maneira diferente
entre os indivíduos, originando diferentes características. No estudo, as
regiões com mais SNPs encontrados estão presentes no cromossomo 8 e no cromossomo X (que é um dos cromossomos sexuais).
Dentre os genes com SNPs, muitos
estão relacionados ao desenvolvimento neuronal ou participam na
neurotransmissão. Isso significa dizer que a orientação sexual parece ser
determinada antes do nascimento. Algumas descobertas são interessantes: um
gene expresso no cérebro, chamado CNGA2, é essencial para que exista
comportamento sexual dependente de odor (o odor está ligado aos níveis de
testosterona e é importante para a comunicação sexual) [5]. Outros dois genes
encontrados, AVPR2 e NPBWR1, têm relação com o comportamento e
interação social em ratos [6].
Então está tudo explicado?
Sequências diferentes nos genes determinam a orientação sexual do indivíduo?
Não, nada é tão simples na natureza. Existem irmãos gêmeos (genomas idênticos)
onde um é homossexual e o outro heterossexual, mostrando que os genes não
conseguem explicar tudo. Mas a explicação para este fato parece ainda estar na
genética, mais precisamente, epigenética. Simplificando, existem fatores que
“ligam” e “desligam” nossos genes, e isso faz com que indivíduos com genomas
idênticos possam ter características diferentes. Cientistas já encontraram pelo
menos cinco regiões no genoma humano que são diferentes entre homo e
heterossexuais, ou seja, alguns genes estão “ligados” em homossexuais e
“desligados” em heterossexuais, e vice-versa. Evidências sugerem que essas
diferenças são dependentes da posição do feto no útero e também da quantidade
de sangue que o feto recebe da mãe [7].
A existência de homossexuais do
sexo masculino sempre foi um paradoxo genético evolutivo, já que este existe em
diversas espécies apesar da menor disposição para procriação que os indivíduos
homossexuais possuem (com consequente não passagem dos genes para os filhos).
Curiosamente, mulheres que apresentam a variante de genes homossexuais
masculinos não são necessariamente homossexuais e apresentam maior fertilidade.
Assim, a alta fecundidade dessas mulheres na população parece “compensar” a
taxa de homossexualidade masculina [8]. Alguns estudos mostram que certos genes
relacionados à atração por homens parecem “funcionar” tanto em homossexuais,
quanto em mulheres, e, no sexo feminino, isso leva ao aumento do sucesso
reprodutivo.
Os últimos estudos sobre
orientação sexual são, no mínimo, interessantes. Nossa sequência de DNA,
juntamente com a epigenética, explica o porquê de mães e pais heterossexuais
poderem ter filhos homossexuais, sendo o contrário também verdadeiro. Além
disso, as descobertas em epigenética mostram o quanto o ambiente pode
influenciar a orientação sexual do indivíduo, desde antes do nascimento. Do
mesmo modo que nascemos com olhos castanhos ou azuis, temos nossa sexualidade
intrincada ao nosso DNA. E aqui não me demoro nas questões de preconceitos.
Deixo só o que Milton Nascimento cantava em 1975, e que hoje serve de tema para
as manifestações contra homofobia: “Qualquer maneira de amor vale à pena”.
[1] Crédito da imagem: Aaron Edwards
(Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC 2.0). URL:
https://www.flickr.com/photos/evill1/113813037/.
[2] K Alanko et al. Common
genetic effects of gender atypical behavior in childhood and sexual orientation
in adulthood: a study of Finnish twins. Archives of Sexual Behavior 39,
81 (2010).
[3] G Schwartz et al.
Biodemographic and physical correlates of sexual orientation in men. Archives
of Sexual Behavior 39, 93 (2010).
[4] AR Sanders et al.
Genome-wide scan demonstrates significant linkage for male sexual orientation. Psychological
Medicine 45, 1379 (2015).
[5] M Milinski et al.
Major histocompatibility complex peptide ligands as olfactory cues in human
body odour assessment. Proceedings of Royal Society B 280,
20122889 (2013).
[6] R Nagata-Kuroiwa et al.
Critical role of neuropeptides B/W receptor 1 signaling in social behavior and
fear memory. PloS One 6, e16972 (2011).
[7] M Balter. Can epigenetics
explain homosexuality puzzle? Science 350, 6257 (2015).
[8] A Camperio Ciani et al.
Sexually antagonistic selection in human male homosexuality. PloS One 3,
e2282 (2008).
Como citar este
artigo: Tábata Bergonci. Homossexualidade é genética (e
não há “cura”). Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/08/homossexualidade-e-genetica-e-nao-ha-cura/.
Publicado em 24 de agosto